2 Medidas de acessibilidade
A mudança de paradigma no planejamento urbano e de transportes responsável pelo maior foco na melhoria das condições de acessibilidade é acompanhada por diversos desafios. Entre eles está a necessidade de criar métodos que meçam as condições de acessibilidade nas cidades. A busca por estimativas de acessibilidade facilmente comunicáveis, metodologicamente robustas e pouco computacionalmente intensivas levou ao desenvolvimento de um grande número de diferentes medidas (Páez, Scott, e Morency 2012). Essas medidas podem ser divididas em dois grandes grupos: medidas baseadas em lugares e medidas baseadas em pessoas (Dijst, de Jong, e van Eck 2002).
2.1 Medidas baseadas em lugares
Medidas baseadas em lugares medem a acessibilidade como uma característica de determinado local. Por simplificação, esses indicadores assumem que todas as pessoas que se encontram em um mesmo local têm as mesmas condições de acesso às atividades distribuídas pela cidade. Ou seja, se uma análise de acessibilidade utiliza uma medida baseada em lugares e divide a área de estudo em uma grade quadriculada, cada célula dessa grade (um quadrado) terá a ela associado um nível de acessibilidade, posteriormente atribuído às pessoas que residem dentro de cada célula. Essas medidas são sensíveis a fatores relacionados à distribuição espacial de atividades e à configuração e o desempenho da rede de transportes, mas não levam em consideração as características individuais das pessoas.
As medidas desse tipo são as mais amplamente utilizadas por agências de transporte e pesquisadores (Boisjoly e El-Geneidy 2017; Papa et al. 2015), porque exigem menor quantidade de dados e tendem a ser consideravelmente mais fáceis de serem calculadas e interpretadas do que as baseadas em pessoas. Por isso, os exemplos e estudos de caso apresentados neste e nos próximos capítulos do livro focam somente nesse grupo de medidas.
Medidas de acessibilidade baseadas em lugares associam a cada deslocamento um custo, usualmente expresso em tempo de viagem (El-Geneidy et al. 2016; Venter 2016). Ou seja, se um local pode ser alcançado a partir de outro em meia hora, o custo para realizar essa viagem é de trinta minutos. Nada impede, no entanto, que outros tipos de custo, como a distância da viagem, seu custo monetário e a percepção de conforto dos usuários, por exemplo, sejam considerados (Arbex e Cunha 2020; Herszenhut et al. 2022). Apresentamos, a seguir, a descrição de algumas das medidas baseadas em lugares mais frequentemente utilizadas na literatura científica e na prática de agências de transporte. Aqui, o termo “custo” é utilizado de maneira ampla e pode se referir a qualquer tipo de unidade utilizada para quantificar a impedância de uma viagem, seja ela tempo de viagem, custo monetário ou demais alternativas.
2.1.1 Custo mínimo de viagem
É uma das medidas de acessibilidade mais simples, indicando o menor custo necessário para alcançar a oportunidade mais próxima a partir de uma determinada origem. Ela permite estimar, por exemplo, o tempo de viagem até o posto de saúde mais próximo de cada quarteirão de uma cidade. O indicador é calculado com a seguinte fórmula:
\[A_i = min(c_{i1}, c_{i2}, \dots, c_{ij}, \dots, c_{i(n-1)}, c_{in}) \iff O_j \geq 1\]
em que \(A_i\) é a acessibilidade na origem \(i\), \(c_{ij}\) é o custo de deslocamento entre a origem \(i\) e o destino \(j\), \(n\) é o número total de destinos na área de estudo e \(O_j\) é o número de oportunidades no destino \(j\).
Vantagens e desvantagens: essa medida tem as vantagens de ser fácil de calcular e exigir poucos dados, além de ser fácil de comunicar. Duas desvantagens, no entanto, são que ela não capta a quantidade de oportunidades acessíveis nos destinos para os quais o custo de acesso é o mínimo nem considera aspectos de competição na demanda pelas oportunidades. Por exemplo, mesmo que uma pessoa more muito perto de um hospital, essa proximidade não necessariamente garante um bom acesso aos serviços de saúde se esse for o único hospital da região e estiver sujeito a picos de demanda que sobrecarregam os serviços além de suas capacidades.
2.1.2 Medida de oportunidades cumulativas
Mede a quantidade de oportunidades que pode ser alcançada dentro de um determinado limite de custo de viagem. Por exemplo, este indicador pode ser utilizado para medir a quantidade de empregos acessíveis por transporte público em até sessenta minutos ou a quantidade de escolas acessíveis em até trinta minutos de viagem a pé. A medida é calculada com a seguinte fórmula:
\[A_i = \sum_{j=1}^{n}{O_j \times f(c_{ij})}\]
\[ f(c_{ij}) = \begin{cases} 1 & \text{se } c_{ij} \leq C\\ 0 & \text{caso contrário} \end{cases} \]
em que \(A_i\) é a acessibilidade na origem \(i\), \(O_j\) é o número de oportunidades no destino \(j\), \(n\) é o número total de destinos na área de estudo, \(f(c_{ij})\) é uma função binária que assume os valores 0 ou 1, a depender do custo de deslocamento \(c_{ij}\) entre a origem \(i\) e o destino \(j\), e \(C\) é o limite de custo de deslocamento estabelecido.
Vantagens e desvantagens: a medida de oportunidades cumulativas também é calculada com facilidade, exige poucos dados e é fácil de comunicar. Isso contribui para que este indicador seja um dos mais utilizados por agências de transporte e de financiamento em análises de acessibilidade (Papa et al. 2015; Boisjoly e El-Geneidy 2017). Entre as suas desvantagens estão o fato de que este indicador não considera a influência da competição sobre oportunidades e exige a escolha de um único ponto de corte como limite de custo de viagem. Além disso, esta medida assume que todas as oportunidades que possam ser alcançadas dentro do limite de custo preestabelecido são igualmente desejáveis e alcançáveis pelas pessoas. Por exemplo, se considerarmos um limite de sessenta minutos de tempo de viagem, uma oportunidade a quarenta minutos de uma origem é considerada tão acessível quanto outra que esteja a dez minutos dessa mesma origem.
2.1.3 Medidas gravitacionais
Mais do que um tipo de medida específica, podemos entender as medidas gravitacionais como uma família de medidas. Assim como no caso da medida de oportunidades cumulativas, esta família de métricas considera a soma das oportunidades que podem ser alcançadas a partir de um determinado local. A contagem de cada oportunidade, no entanto, é gradualmente descontada à medida que o custo de viagem aumenta. Assim, oportunidades mais fáceis de acessar têm uma importância maior, e o peso de cada oportunidade na soma total diminui com a sua dificuldade de acesso em relação à origem.
O ritmo de decaimento desse peso é afetado pelo custo da viagem e é ditado por uma função de decaimento, que pode ser definida de diferentes formas. Por exemplo, a função de decaimento linear considera que o peso de cada oportunidade diminui de maneira constante até um determinado custo limite, em que ele passa a ser zero. Já a função de decaimento exponencial negativa considera que o peso de cada oportunidade é dividido por um fator que cresce exponencialmente, fazendo com que ele diminua rapidamente a custos de viagem baixos e se aproxime de 0 a custos altos. As fórmulas a seguir apresentam a formulação genérica de uma medida gravitacional e as funções de decaimento linear e exponencial negativa, mencionadas anteriormente.
\[A_i = \sum_{j=1}^{n}{O_j \times f(c_{ij})}\]
\[ f_{lin}(c_{ij}) = \begin{cases} 1-c_{ij}/C & \text{se } c_{ij} \leq C\\ 0 & \text{caso contrário} \end{cases} \]
\[f_{exp}(c_{ij}) = e^{-\beta c_{ij}}\]
em que \(A_i\) é a acessibilidade na origem \(i\), \(O_j\) é o número de oportunidades no destino \(j\), \(n\) é o número total de destinos na área de estudo, \(f(c_{ij})\) é uma função de decaimento cujo resultado varia com o custo de deslocamento \(c_{ij}\) entre a origem \(i\) e o destino \(j\), \(f_{lin}(c_{ij})\) é a função de decaimento linear, \(C\) é o limite de custo de deslocamento estabelecido, \(f_{exp}(c_{ij})\) é a função de decaimento exponencial negativa e \(\beta\) é um parâmetro que dita a velocidade de decaimento.
Inúmeras funções de decaimento podem ser utilizadas no cálculo de medidas gravitacionais. A medida de oportunidades cumulativas, por exemplo, pode ser pensada simplesmente como um caso especial de medida gravitacional em que o peso de cada oportunidade é ditado por uma função binária, em vez de decair gradualmente. Levinson e King (2020, 49) apresentam uma lista de funções de decaimento frequentemente utilizadas por agências de transportes e pesquisadores em análises que envolvem medidas gravitacionais.
Vantagens e desvantagens: a principal vantagem de medidas gravitacionais é que o desconto do peso das oportunidades pelo custo da viagem reflete em alguma medida a forma como as pessoas percebem o acesso a oportunidades, pois, de forma geral, serviços e atividades costumam ser mais atrativos quanto mais próximos eles estiverem. Este indicador, no entanto, tem ao menos duas desvantagens. A primeira delas é que os níveis de acessibilidade estimados são de difícil interpretação, pela forma como a contagem de oportunidades é descontada pelo custo de viagem. Além disso, para que esses níveis sejam mais representativos do comportamento de viagem das pessoas, o ritmo de decaimento da função de impedância (o parâmetro \(\beta\) da função exponencial negativa, por exemplo) precisa ser calibrado. Por isso, esta medida requer a disponibilidade de dados de comportamento de viagens ou de outros dados que possam ser usados no processo de calibração, disponíveis, por exemplo, a partir de pesquisas origem-destino, de coletas feitas por empresas de telefonia celular etc.
2.1.4 Medidas de acessibilidade com competição: floating catchment area
Em muitos casos, o acesso a oportunidades é afetado não apenas por questões de proximidade geográfica e de custos de transporte, mas também pela competição de diferentes pessoas por uma mesma oportunidade. Isso é muito comum, por exemplo, em casos de acesso a serviços de saúde, escolas e empregos. Uma vaga de emprego só pode ser ocupada por uma pessoa de cada vez, e o mesmo vale para um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou uma matrícula escolar.
Existe um grande número de medidas que buscam incorporar essa competição na estimativa dos níveis de acessibilidade. Algumas das medidas de competição mais amplamente utilizadas são as do tipo floating catchment area (FCA), ou área de influência flutuante, em português. A título de exemplo, esses indicadores tentam levar em consideração como uma mesma pessoa pode potencialmente acessar vários leitos de UTI e, simultaneamente, como cada leito de UTI pode potencialmente ser acessado por diversas pessoas. Assim, o acesso de uma pessoa a leitos de UTI é influenciado simultaneamente por questões de custos de transporte e pela disponibilidade de leitos, considerando a potencial concorrência na demanda por aqueles leitos.
Dentro da família de medidas de FCA, a mais comumente utilizada é a 2-Step Floating Catchment Area (2SFCA), proposta originalmente por Luo e Wang (2003). Uma limitação da 2SFCA é que ela considera que uma mesma pessoa pode demandar várias oportunidades ao mesmo tempo e que, analogamente, um mesmo serviço pode ser utilizado por várias pessoas ao mesmo tempo. Esses fenômenos são conhecidos como problemas de inflação de demanda e de oferta, respectivamente, e podem gerar estimativas de acessibilidade enviesadas ou pouco precisas (Paez, Higgins, e Vivona 2019). Para lidar com esses problemas, Paez, Higgins, e Vivona (2019) propuseram a Balanced Floating Catchment Area (BFCA), uma das medidas mais novas da família FCA.
Vantagens e desvantagens: diferentes medidas de FCA têm diferentes vantagens e desvantagens, em maior ou menor grau. No entanto, de maneira geral, a principal vantagem de medidas desta família é a sua capacidade de incorporar aspectos de competição em estimativas de acessibilidade. A principal desvantagem, em contrapartida, é a difícil interpretação e comunicação dos seus resultados.
2.2 Medidas baseadas em pessoas
Medidas de acessibilidade baseadas em pessoas são sensíveis não apenas à distribuição espacial de atividades e à configuração e o desempenho da rede de transporte, mas também levam em consideração como as características pessoais de cada indivíduo (como sexo, idade, deficiência física etc), e até questões como participação em atividades e compromissos pessoais, podem afetar sua facilidade de acesso a determinadas atividades. Esta categoria inclui, por exemplo, indicadores baseados em atividades (Dong et al. 2006) e medidas de espaço-tempo Neutens et al. (2012).
Vantagens e desvantagens: embora indicadores desta categoria sejam mais sofisticados, eles costumam demandar grandes quantidades de dados, como registros de diários de viagem, pesquisas domiciliares tipo origem-destino etc. Por isso, o cálculo dessas medidas é computacionalmente mais intensivo, o que faz com que elas sejam menos utilizadas do que as medidas baseadas em lugares Miller (2018). Como medidas baseadas em pessoas tendem a não ser agregadas em um indicador sintético (exatamente por levarem em conta particularidades de cada indivíduo em seu cálculo, que seriam desconsideradas no cálculo de um valor médio), a comunicação de seus resultados também costuma ser mais complexa.